"Ascensão e queda": romance de estreia!

Saiba como adquirir seu exemplar.

Contos de Wander Shirukaya

Para aqueles que querem conferir o que tenho escrito, dêem uma olhada aqui!

Tergiverso

Sensualidade em forma e conteúdo aguardando sua visita.

O híbrido e a arte

Animes, cinema e literatura

Procurando entrevistas?

Amanda Reznor, André Ricardo aguiar, Betomenezes... Confira estes e tantos mais entrevistados por Wander.

09/12/2014

Glorificando o híbrido (parte III)

Atençao! Atenção! A discussão a seguir possui altos níveis de spoiler! Se você ainda não viu/ leu as obras aqui discutidas, cuidado. 




Moda, fascismo e muito nonsense em Kill la Kill!

Continuando nosso papo sobre o híbrido nas artes, apresento aos que não são muito fãs de cultura japonesa um dos animes mais badalados dos últimos tempos e importante exemplo para nossa discussão.
Kill la Kill nos apresenta um cenário distópico em que a militarização das escolas é levada a níveis hiperbólicos. Por sinal, hiperbólico porderia ser a melhor palavra para definir o anime, já que tudo é extremamente exagerado: fan service, derramamento de sangue, humor e nonsense. A história ressignifca um monte de clichês, partindo do clássico jovem-que-quer-vingar-a-morte-do-pai. Essa jovem é Matoi Ryuko, que, fazendo uso de uma tesoura-espada, se rebela contra a chefa de sua escola, Kiryuin Satsuki. O negócio vai ficando cada vez mais louco quando descobrimos nossa protagonista favelada na verdade não é humana: é uma criatura híbrida. 
Ryuko usa um uniforme com vida própria, Senketsu, com quem conversa e tem uma relação de profunda amizade. O uniforme sobrevive se nutrindo de seu sangue e, em troca, Ryuko usa seus poderes, que se ampliam ao longo da série. O que não se contava é com a reviravolta digna de novela mexicana: Satsuki também tem interesse em Ryuko para que juntas, possam derrotar Kiryuin Ragyo, verdadeira mãe de Ryuko que está promovendo a destruição do mundo por... roupas!
Segundo ficamos sabendo, criaturas alienígenas minúsculas, chamadas de Fibras da Vida, viajam pelo espaço e se instalam nos planetas para de forma parasitária, vão fortalecendo seus hospedeiros até que estes estejam prontos para ter suas energias levadas, dando origem a novas Fibras da Vida. Isso mesmo, roupas alienígenas que invadem a terra para transformar a Terra numa imensa bola de lã. Como dito, tudo se torna ainda mais absurdo ao Ryuko saber que não é filha de seu pai, mais é uma criatura híbrida, filha de Ragyo com as Fibras parasitas, ou seja, meio humana, meio roupa. 
Por fim, a humanidade vence, mas com a ajuda de Ryuko, que resolve lutar para não ser dominada pelas roupas, algo impossível para qualquer raça inferior como a humana. O resultado é que a união perfeita de Ryuko com seu uniforme que, por estar ligado ao sangue da protagonista, é também híbrido, faz com que os arifícios que as Fibras da vida usam para dominar os demais sejam ineficazes, causando o completo banimento dos aliens da face da Terra, enfim todos podem descansar em paz, sem se preocupar em ser dominados pelo que vestem, bem como vestir o que bem entenderem. 
Diante de uma história tão maluca, à primeria vista, não se percebe muita coisa, pois os exageros propositais da obra fazem com que muita coisa possa passar despercebida. Ou seja, Kill la kill pode paraecer um anime de humor com aliens invadindo a terra, mulheres seminuas em uniformes especiais (espécie de tributo à Sailor Moon, diga-se de passagem) e muito, mas muito sangue. Porém, como se espera de toda boa obra, muitas leituras se abrem sutilmente, como por exemplo o poder feminista da obra, mesmo fazendo uso de artifícios comumente machistas, discussão sobre a  exploração da sexualidade feminina, sobre a militarização das escolas conservadoras e, especialmente para o nosso caso, a representação de um ser único, que se difere dos demais por ter características de dois grupos até então distintos: o híbrido. Sem esse hibridismo, como vimos, Ryuko não conseguiria destruir as roupas alieníginas. Temos então outro grande exemplo de representação de "miscigenação" libertadora. 



No próximo episódio: depois de homem-software e mulher-roupa, que tal vermos um homem-rato? Aguardem!

 Continua...

08/11/2014

Glorificando o híbrido (Parte II)

Atençao! Atenção! A discussão a seguir possui altos níveis de spoiler! Se você ainda não viu/ leu as obras aqui discutidas, cuidado. 


Tudo bem que nessa parte da nossa dicussão nem seria tão necessário avisar sobre spoiler, já que pode se dizer que todo mundo viu a trilogia Matrix. Sendo assim, pulamos uma introdução mais detalhada e vamos olhar mais de perto os eventos finais de Matrix Revolutions, último filme da série. 
Matrix deixou uma legião de fãs, mas também deixou dúvidas e lacunas com sua estética mais preocupada em sugerir do que em afirmar algo. O resultado é que até hoje temos muitas interpretações sobre o desfecho. É quase unânime a opinião de que os acontecimentos do final são bastante confusos, o que me fez lembrar também do desfecho de Evangelion e sua viagem cheia de parabéns. Proposital ou não, a confusão existe e acabou por enriquecer a obra. 
Destre os principais pontos de confusão, podemos citar o fato de a existência de Neo não ser questionada. Na verdade, o tempo todo os personagens nos sugerem que sabem bem quem ou o que Neo é, mas nós temos essa resposta com convicção, ainda mais quando lembramos de que Neo conseguira usar seus poderes fora da Matrix. Caso semelhante acontece com o Agente Smith. A pergunta que fica é: Neo é um programa? Um humano? Tais questionamentos acabaram por fazer com que alguns espectadores acreditassem que a realidade onde Neo vive também estivesse sendo uma simulação, ou seja, a chamada teoria da Matrix dentro da Matrix

O que propomos aqui é que algumas respostas a estes questionamentos podem ser encontradas ao observar os procedimentos narrativos do filme. É possível que em algumas obras fantásticas ou com elementos próximos dele, possuam algo que destoa da linearidade esperada, algo que "não bate" com o que se apresenta, algo que fere e transgride as leis do que o leitor/ espectador define como real. Ele não obedece à realidade, mas no entanto continua lá e, até certo ponto, permanece imcompreensível. Se tomarmos como base essa transgressão da realidade aqui comentada e relacionando-a aos eventos de Matrix Revolutions, é possível ter uma nova interpretação do que é Neo. Ele é o elemento fantástico, ele não é um programa, mas também não é um humano; é, na verdade, uma fusão, um ponto de convergência ou transição entre eles: é o híbrido. De acorodo com o que vemos na série, o híbrido vence, ele é o escolhido, está acima dos demais e, sendo assim, o único a romper com o sistema social que vemos. A revolução vem da união. 
Curioso é que Smith também levanta as mesmas questões, mas ele não quer salvar ninguém: quer corromper, destruir. À primeira vista isso derrubaria a nossa tese, mas por outro lado a enfatiza,  já que ressalta que o purismo de um humano ou programa se mostra insuficiente perto de alguém com as caracteríscas dos dois. Percebamos o quanto de novos caminhos abrimos olhando sobre esse ponto de vista. 
No próximo capítulo, veremos que Matrix não está tão distante assim de Kill la Kill. Até breve!
Segue uma musiquinha aí pra animar.


Continua...

15/10/2014

Glorificando o híbrido (parte I)


Saudações, meus amigos! Aqui vou eu aproveitar que estou com menos preguiça de pensar e trazer novos debates. Sem mais delongas, vamos nessa!
Em toda a história da humanidade temos muitos embates ideológicos e, em sua maior parte, todos apresentados de forma binária, maniqueísta: bem contra mal, Platão contra Aristóteles, capitalistmo contra socialismo e assim por diante. Porém, a situação de meio-termo dentro desses embates sempre causa muita confusão e acaba desfazendo, diluindo os limites entre os dois elementos até então vistos como antagônicos, excludentes. Assim, surge uma espécie de "terceira via" que incomoda muito aqueles que refletem sobre outro embate dicotômico, que é o alvo de nossa discussão aqui: purismo versus hibridismo. 

A era da pureza

Entendamos aqui como purismo a tendência que muitas pessoas tem de de se posicionarem contra a mistura, o que faz com que sua organização de pensamento seja binária. Para essas pessoas, seria inadmissível que um elemento A pudesse incorporar características de um elemento B, ou seja, ou você é homem, por exemplo, ou mulher; ou você é rico ou pobre, etc. Mesmo que casos que desafiem essa visão binária do mundo ocorram à perder de vista, tal purismo tem sido, talvez até hoje, na maior parte das nações, o pensamento majoritário (nem sempre da maioria númerica, é bom salientar). 


Nem uma coisa, nem outra

Parece discurso da Marina Silva, mas com a natural interação social entre os povos, as ideias que eram tidas como absolutas para uns têm tido seus limites atenuados ou, em muitos casos, completamente destruídos. As concepções e convicções de ambos os lados são permanentemente transgredidas, criando um elemento destoante: eis o híbrido, um elemento que ganha cada vez mais força, tanto que, se nos inspirarmos pelos estudos filosóficos das últimas décadas, torna-se cada vez mais difícil conceber uma única realidade, bem como conceber nossa realidade como imutável e absoluta.
Mas por que cargas d'água falamos disso aqui, num mero blog literário? A resposta é simples: o hibridismo tem sido um dos pontos principais a se discutir também nas artes, especialmente dos anos 80 para cá. Mais ainda: há um discurso presente em boa parte dessas obras em favor desse hibridismo.

Como assim, discurso em favor do híbrido? Para explicar melhor, tomamos como exemplos três obras distintas, como já é costume aqui no blog, de campos da arte igualmente distintos. Primeiramente, veremos o caso na trilogia Matrix (em especial, o terceiro filme, Matrix Revolutions [2003]). Em seguida, nuances desse hibridismo no anime Kill la Kill (2013) e, por fim, no campo da literatura, observando Rei Rato, de China Miéville (2011). Será que dá para relacionar obras tão diferentes de acordo com o tema aqui de nosso debate? É o que veremos logo mais.

Continua...

08/10/2014

O que a arte nos ensina (parte I)


Ultimamente tenho visto/ ouvido por aí muitas pessoas falarem algo que me incomoda. Tais pessoas dizem aprovar/ desaprovar uma obra "porque ela ensina..." sinceramente, acho esquisito esse tipo de discurso, posto que é o fato de uma obra ensinar algo é um critério muito maleável e passível de interpretação, extremamente vago. Citemos um exemplo para clarear a situação. 


Nos últimos tempos, tenho visto que há certa rejeição a algumas novelas do horário nobre que trazem homossexuais e questões sobre o preconceito que sofrem como parte principal da trama. Segundo algumas pessoas, tal trama é ruim e a novela é uma bosta porque ensina o telespectador a ser homossexual. Pior: incentiva as crianças que assistem a "liberarem geral". 
Vou evitar entrar no caráter homofóbico de tais opíniões, pois não é bem esse o foco. O problema em questão é a noção de que a novela ou qualquer outra obra de arte seja uma espécie de "professora" e que, sendo assim, seja obrigada a ensinar alguma coisa. De fato, a arte pode nos ensinar muito, mas definitivamente essa possibilidade não é determinante na avaliação de tal obra. Ainda tomando como exemplo a novela, ela não é boa ou má por promover os "valores da família" ou por "propagar o respeito à diversidade", pelo simples motivo que tais avaliações também são maleáveis e variam tanto de indivíduo para indivíduo (enquanto para um estamos respeitando as diferenças de cada pessoa, para outro é uma pouca vergonha) quanto em situação diacrônica - ou seja, com o tempo as pessoas podem simplesmente mudar de ideia acerca de qualquer assunto.
Diante do exemplo, o que podemos então ter como critério confiável na avaliação de uma obra? Bom, isso renderia novos posts (e devem realmente render), mas uma coisa é certa: é preciso ter em mente (o que poucas pessoas têm) que é preciso dissociar ao máximo possível a figura do autor da obra, bem como separar nossas convicções pessoais do contexto representado na obra avaliada. Voltamos em breve com mais exemplos.

Continua...

Foto: Clara e Marina, personagens de Em família, de Manoel Carlos.

12/09/2014

personagens de "Ascensão e queda": Walter



Walter é o integrante mais velho da banda e também o que tem a formação mais sofisticada, baseada em levadas e improvisos de jazz e longas jam sessions. Sua bateria faz com que o estranhamento dos ouvintes da Doce Anfitrite seja ainda maior, pois difere-se do padrão punk-pop comum no mercado e, graças às levadas malucas do prog, também se torna pouco palatável aos fãs de hard rock. Fora isso, o baterista da banda é também, talvez por ser o mais velho, o apaziguador nas brigas entre Lune e Adrian. Ao longo do romance, procura o máximo de tempo se manter em cima do muro para evitar conflitos, ms sem muito sucesso. Foi o último a entrar na banda, na verdade ela até já dava seus primeiros passos antes dele, mas quando a formação principal se completou finalmente todos conseguiram certa coesão musical.

07/09/2014

Por que abandonei a poesia?


Amigos, quem visita esse lugar há um bom tempo e já me conhece deve ter percebido que a minha produção de poemas não anda mais. Cheguei, inclusive, a anunciar o fato em meu blog de poesia, explicando que os poemas ali publicados não seriam deletados, porém nada de novo mais apareceria - o que vem se mostrando como algo verdadeiro já há anos. Entretanto, é bom esclarecer: apesar da minha predileção assumida pela prosa, não tenho nada contra poesia ou poetas tanto que, vez ou outra, estou envolvido em açoes que envolvam poesia e amigos poetas, como por exemplo, nas ações do Silêncio Interrompido. O que de fato acontece é que a minha produção de poesia se encerrou. Apenas isso. 
Mas então, se não há nada contra poesia e até gosto dela e, sendo eu um artista da literatura, por que não explorar tal ramo também? Para tentar deixar mais claro, vão algumas reflexões.



"Você gosta de desenhar, né? Me desenha?"

Qualuer pessoa que trabalhe com artes plásticas já deve ter ouvido várias vezes algo do tipo. E, com certeza, já deve até ter se irritado alguma vez com tal questão. Bom, comigo acontece coisa parecida. Mesmo eu afirmando que meu amor maior na literatura é o conto, ainda chega gente dizendo ter um enredo pronto que "!daria um conto lindo em suas mãos". Pior ainda é que qualquer amante da literatura, especialmente aqui no eixo PB-PE, é tido imediatamente como poeta. E logo vem os pedidos para poemas, faz um assim, um assado... Por favor amigos, talvez até saia algo legal atentendo o pedido de alguém, mas essa probabilidade é muito pequena. Pode ser que apara alguns de meus colegas poetas isso seja legal, mas para mim é constrangedor, já que não escrevo mais poesia e ainda assim não queira chatear a pessoa que faz tal comentário. 

"Olha lá, lá vem o poeta!"

Além disso, é comum que, não sei por que motivo, as pessoas achem que, por que você gosta de literatura, seja imediatamenbte poeta. Mesmo antes de eu escrever alguns poemas convivo com isso e, quando lancei Balelas, livro de contos, tive de lidar com situações em que as pessoas achavam que eu fosse poeta. Tenho amigos que, quando acontece, são categóricos e mandam logo um poeta é tua mãe!, mas eu prefiro aquele risinho que alguém dá quando lhe oferecem algo que não tem muito a ver com você.
Bom, por essas e outras, resolvi, pr tempo indeterminado, abandonar a poesia, ou melhor, deixar de escrever poemas. A poesia, no sentido de "lirismno", continua, é impossível se desvencilhar dela. No entanto, ao se deparar com algum amante da literatura, lembre-se de que nem só de poemas vive o homem. :)

Ps: para aqueles que, aidna assim, quiserem poesia, vejam o que eu escrevia aqui.

31/08/2014

Personagens de "Ascensão e queda": Adrian



Adrian Levi é o guitarrista da banda Doce Anfitrite e, também, o mais propenso a achar que o importante é a fama. Após a morte de Johnny, vocalista, ele é quem defende com todas as forças que a banda deve aproveitar o hype em torno da morte do amigo e se alçar ainda mais aos holofotes. Exímio guitarrista, é fã de heavy metal neoclássico, como o de Yngwie Malmsteen, e de bandas de rock progressivo. Curiosamente, Adrian não bebe nem fuma, o que faz com que ele se torne meio que "chofer" da banda, tendo de deixar os bêbados em casa após às festinhas.

24/08/2014

Ascensão e queda no Jornal do Comércio

Matéria divulgada sábado, 16/08/14, sobre os vencedores do II Prêmio PE de Literatura. Lá estou eu falando um pouco sobre o romance. Enjoy!


20/08/2014

O silêncio de Lucy





Não houve mais nenhuma comoção quando souberam do suicídio do pai. Não por não gostarem dele, e sim por terem já derramado lágrimas demais nos outros desastres. Lucy, como sempre, estava no quarto, com vários papéis a sua volta e uma caixa com um lápis ou outro caído, mais vários gizes espelhados por toda parte. Não vem pra cá agora, menina. Espera que eu venho te chamar, tá? Nem parecia que eu tinha falado com ela; Lucy permanecia absorta no tapete do quarto. A polícia chegou e novamente me fez uma porção de perguntas. Sou a empregada da família há anos, estou chocada com tanta tragédia. Me chamo Otávia. Não, não suspeito de nenhum motivo para isso tudo, senhor. Claro que estarei à disposição. Recolheram o corpo de seu pai, cercaram o banheiro pra examinar tudo, o chão, a pia, a corda pendurada que ele usou. Continuava perplexa, tentando entender.
Tudo bem que não foi um atrás do outro, mas é muito estranho assim mesmo. Dona Cecília ficou cega misteriosamente, uma infecção no hospital, somada aos problemas do parto; de certa forma esses problemas justificam a depressão profunda daquela época em que nasceu a pobre Lucy, e também o fato de ter se atirado da janela. Não estava presente na hora. Só vim saber do ocorrido quando cheguei da faculdade, tarde da noite. As pessoas nervosas na frente do prédio, sem saber o que fazer, o restante da família chorava e não sabia fazê-lo e andar ao mesmo tempo, atrapalhando o socorro.  Me pediram que cuidasse da pobre Lucy. Corri pra o quarto dela, encontrei-a dormindo como um anjo. Vigiei-a até eu mesma cair no sono horas mais tarde.
Eu não estudava nessa área, mas li bastante sobre autismo e coisas que se parecessem. Isso porque a família toda achava que a pobre Lucy tinha algo de muito estranho. Todos achavam que aquele “crescimento para dentro” de que falavam os médicos tinha a ver com a morte precoce de D. Cecília. Os irmãos da criança sofreram, mas eram grandinhos na época; já a Lucy, mesmo bebê, assistiu muito daquela tragédia. Viu reações de todos, ficou no seu cantinho parecendo ter decidido crescer nele mesmo. Das atividades que os médicos passaram, ela parece ter gostado mesmo de desenhar e rabiscar com gizes e lápis pra lá e pra cá. Mesmo quando a irmã mais velha cortou os pulsos no mesmo banheiro em que seu pai morreria, ela não parecia se interessar. Os rabiscos, inclusive nas paredes do quarto, já eram suficientes pra seu bem-estar. Era sem dúvida seu maior prazer. A irmã morreu sem motivo aparente; era querida por Deus e o mundo, mas de uma hora pra outra aconteceu. Acharam no quarto alguns textos, um diário. Na verdade, parecia mais um caderno de mensagens sem muita conexão. “Preciso fugir enquanto há tempo”, esta frase se repetia às vezes. A polícia arquivou tudo quando cansou de procurar a razão daquele fatídico acontecimento. Fiquei com a pobre Lucy no dia do enterro da irmã, pois ela era muito nova pra ir; acabou indo já no enterro do avô, que tinha disparado na boca anos depois. Nada em Lucy esboçava uma reação pior do que aquela de silêncio. Ela continuava cercada de amor e carinho; a essa altura eu já tinha terminado meu curso e podia passar mais tempo cuidando dela, como tinha recomendado o pai.
O avô de Lucy vivia também na casa com sua esposa, D. Celeste. Vivia se queixando de dores pelo corpo, reumatismo, essas coisas. Mas mesmo assim sempre cuidava dos netos, e é certo que tinha um carinho todo especial pela mais novinha, até pelos seus problemas. Ela é débil mental, mas não tem culpa, eu como avô vou sempre cuidar dela. Ela permanecia rabiscando, gastando caixas e mais caixas de lápis. Raramente saía do quarto, os médicos falavam que não sabiam por que o tratamento não surtia efeito. Eu também não entendia, e me sentia cada vez mais intrigada com aquelas mortes sem pé nem cabeça.
Pra falar a verdade, até um pouco de medo me passava às vezes. Era muito estranho tudo aquilo. Às vezes me sentia vulnerável naquele mau agouro da casa inteira, eu não era como Lucy, que conseguia viver avessa a tudo e todos, e eu era estudada. Eu sabia que no fundo isso não passava de crendice. Também até seria fácil procurar outro emprego, um que me tomasse menos tempo, mas eu já era muito apegada àquela família, apesar dos pesares. Nem presenciei a morte do avô de Lucy, pois tinha sido na minha folga, mas mesmo assim sonhei com aquela descrição perturbadora que fizeram. Tudo bem que quando o irmão da pobre Lucy se jogou na frente do trem na estação tudo foi ainda mais chocante, até porque ele não estava só naquele momento. Lucy e eu tínhamos saído com ele pra passear – a pobrezinha nunca sai, decidimos levá-la a algum parque. Ela viu tudo, toda a seqüência: ele se jogar, o trem passar, o trem sumir no horizonte, olhava estranho pra o trem, nem sequer piscava. Viu os transeuntes se chocando com o ocorrido, viu quando eu fiquei estatelada, mas não esboçou uma mínima reação. Horas mais tarde, no caminho de volta pra casa, eu tomava o milésimo copo d’água. Lucy, pobrezinha, olhava da janela do trem pra a paisagem verdejante.
— É melhor fugir.
Até hoje tenho minhas dúvidas se foi delírio meu ou se realmente a pobre Lucy tinha reagido ao mundo exterior e balbuciado algumas palavras. O pior é que eu deveria ficar feliz, mas a tensão toda diante de tanta morte me deixou sem raciocínio. Óbvio que aquelas palavras que pensei ouvir também me deixaram desnorteada. Como eu estava na hora, a polícia chegou e me fez uma porção de perguntas. Sou a empregada da família há anos, estou chocada com tanta tragédia. Me chamo Otávia. Não, não suspeito de nenhum motivo para isso tudo, senhor. Claro que estarei à disposição. A pobre Lucy se recolheu aos seus desenhos e a seus aposentos, não disse nenhuma palavra; continuei sem compreender aquilo tudo. Quando ia ver a minha família na folga eu não comentava muita coisa, guardava pra mim. Minha mãe queria que eu largasse aquele emprego. Com o passar dos anos a condição tinha melhorado e procurar algo novo e melhor não seria tão difícil. Mesmo assim eu analisava o caso sem decidir nada. Muitas vezes me perguntei se era isso mesmo que deveria ser feito. Abandonar aquela família que sempre me tratou como família, uma criança que vejo praticamente como filha, mesmo os outros vendo como débil mental por não respeitarem seu universo avesso.
Lucy esteve no enterro do irmão, que tinha só dezesseis anos quando morreu. A família toda se destruía sem motivo aparente. Desse jeito a pobrezinha nunca vai ficar boa; o pai sem saber mais o que fazer. Pensou em levá-la pra outro canto, mas acabou decidindo o melhor: ele tinha que permanecer ao seu lado e de todos que a amavam. Muita terapia pra ela, que passou a interagir mais uma vez com o mundo, agora através de seus desenhos. Os médicos se sentiam desolados ao ver com que perfeição, considerando que eram rabiscos de criança, ela conseguia expor as mortes que lhe cercavam. Desenhos bastante simples, mas que mostravam com crueza o que seus olhos liam daquilo tudo. Bem que sua irmã costumava dizer que ela era bastante perspicaz, que ela não estava alheia ao mundo. Começo a pensar o mesmo, mas ainda tenho medo. No apagar das luzes então nem se fala.  Dormia no quarto de empregado, mas passei a acordar no meio da noite, cismada. Juro que algumas vezes ouvi vir do outro lado da parede o barulho de giz raspando, como se a garotinha estivesse ainda acordada, desenhando na parede. Uma vez, pouco antes de sua avó ser encontrada envenenada na cama, cheguei a sair do meu quarto pra conferir se Lucy realmente dormia. Ao entrar no quarto não havia movimento nem de mosquitos. Ela dormia feito anjo, como sempre fez. Graças a Deus essa minha filha nunca me deu trabalho para dormir, dizia sempre o orgulhoso pai. Eu lia e relia alguns papéis sem ter uma resposta que me servisse; se eu não fosse tão consciente das coisas diria que tinha alguma maldição em cima dessa família, e que alguma coisa desse universo fechado da pobre Lucy a protegia. Deixava isso pra lá; quando estava já superando tudo, outro suicídio atrapalha tudo. Assim se foi D. Celeste, num dia de céu azul encontrada morta no quarto. A perícia detectou veneno em seu corpo. Fui mais corajosa, levei o que sobrou da família, Lucy e seu pai pra mais um enterro. A garotinha já estava com nove anos, parecia estar ainda naquele estado de sempre. Nada a surpreendia, olhava mais os carros passando ao longe do que a cerimônia de sepultamento.
O pai estava se derramando em desgosto; não sabia o que fazer. Eu muito menos, cada vez que via que a garotinha tinha feito algum desenho estranho me assustava. Depois criava forças e seguia firme, afinal eu a amava como se fosse filha. E como se fosse filha continuei a tratá-la, mesmo quando o pai dela acabou, depois de anos, se casando novamente. A moça era jovem, bonita, vistosa, e parecia gostar também da menina. Pelo menos da parte da moça, elas se davam bem. A pobre Lucy ia ao médico, mas não parecia ter maior reação do que as que tinha tido de maneira avulsa estes anos todos.
O pior foi que a amizade das duas não vingou. A nova esposa achava que bastaria algum tempo de conversa e atenção pra chamar a atenção da criança. Isso, como já era de se esperar, não aconteceu e acabou gerando um grande conflito. Como o pai não abria mão da filha, deu até pra nesse caso entender porque foi que a nova esposa acabara se matando. Amava demais o novo marido, mas estava na cara que não agüentava dividi-la com aquela deficiente. O desgosto só aumentou então; por este motivo ele sucumbiu à pressão e acabou enfiando uma corda no pescoço – pelo menos é o que minha razão consegue concluir desse fim, mesmo sem entender como essas coisas começaram a acontecer.
Fiquei alguns dias cuidando da pobre Lucy, que só tinha a mim agora e com urgência teria seu futuro decidido pelo Ministério Público. Em alguns dias eu estaria desempregada, vendo alguém que tanto amei sem compreender ir pra um abrigo ou pra casa de algum parente distante. Pensei comigo sobre tudo, não me fechava numa só resposta convincente. Se tem maldição, não atinge só quem é da família, pois a nova esposa do pai da criança não era. Ou será que morreu justamente por entrar pra esta família? E quanto a mim? Parei de pensar besteiras, só que não demorou muito pra meu mundo rachar de vez: Lucy desenhava no quarto como sempre nesse dia. Era, inclusive, seu aniversário de treze anos.
“Sua vez?”, essa era a pergunta escrita num desenho que tinha feito. Era um desenho de extremo mau gosto, refletia a agonia daqueles que morreram a sua volta. Em fração de segundos compreendi a pergunta, sem sequer ficar feliz por ver que a pobre Lucy sabia escrever. Corri do quarto imediatamente, ela, com aquele jeito estranho de sempre, me seguiu lentamente. Corri pra o meu quarto, arrumei minhas malas. Já está bom, já vi sete mortes. Basta. Ela batia na porta. No que a abri ela me abraçou, meio sem expressão. Ainda afoita, derrubei a mocinha no chão; os gizes que carregava caíram e rolaram todos. Pensei ao olhar pra trás tê-la visto chorando enquanto me seguia.
Essa cena me perseguiu sempre aqui pelos corredores do sanatório. Os médicos dizem que estou reagindo bem ao tratamento, mas me amedronto, ainda mais ao ver que deixaram que ela me visitasse. Carregando um monte de papéis desenhados pra me mostrar; corri por todo o corredor do oitavo andar, ignorei-a. Me tranquei numa sala branca por lá, ouvindo-a bater na porta. Bateu várias vezes, mais e mais forte, sem dizer uma palavra, como sempre. A janela. A janela. A janela. Nunca me pareceu tão convidativa...



In: SHIRUKAYA, Wander. Balelas. RJ: Mutuus Editora, 2011.

15/08/2014

Personagens de "Ascensão e queda": Lune


"I'm pretty like drugs" 



Dos cinco protagonistas de Ascensão e queda, Lune é quem mais sofre perturbações emocionais. A baixista da banda presenciou a morte do vocalista e namorado e, por isso, é o centro do dilema que envolve a banda: encerrar as atividades ou aproveitar a fama ganha com a repercussão da morte do amado. Assim, o que se vê é uma moça que tem extrema dificuldade em se estabilizar emocionalmente e que tenta a todo custo (seja através da música ou da vodca) esquecer o que lhe  acontecera. Baixista autodidata, esforçada, que faz de tudo para uma boa performance por saber da pressão existente num mundo machista como o da música (Adrian, guitarrista da banda, costuma dizer que Lune é boa no grupo para atrair público). Sobre as influências musicais, é sabido que Lune ama a primeira metade dos anos 90, Daisy Chainsaw, Sonic Youth, Mudhoney, Nirvana, Pearl Jam entre outros. Após a morte de Johnny, torna-se a queridinha do público por causa do temperamento extremamente explosivo.


11/08/2014

"Ascensão e queda"

Hello, amigos!
Como prometido, inicio agora algumas postagens mostrando um pouquinho do universo do livro que vem por aí. 


Sinopse:  Walter, Lune, Adrian e Johnny tem uma banda underground que, como num passe de mágica, ganha fama às custas da morte de um de seus membros - Johnny, o vocalista. O líder morre, mas a banda sofre então um dilema. encerra suas atividades ou aproveita os quinze minutos de fama? Eis o problema que move todo o enredo.

Como assim, um romance sobre música?

Talvez seja essa uma das reações mais comuns que tenho visto em quem fala comigo sobre o romance. Sim, Ascensão e queda tem uma temática muito pouco comum por essas bandas. Tudo bem, você pode alegar que vários romances envolvem música, porém, temos que concordar que, em sua maioria, a música está mais para pano de fundo, para composição espacial que dará espaço a outras temáticas abordadas. Isso é diferente do que acontece em "Um homem célebre", "Cantiga de Esponsais" ou "O machete", famosos contos de Machado de Assis. Aqui, é comum que aconteça uma inversão do que comentei, ou seja, a música é o centro das atenções e todos os demais elementos da história giram em torno e são desencadeados por ela. Sendo assim, o que tentei fazer em Ascensão e queda foi a música impulsionasse e fosse determinante para todos os acontecimentos.

Complicações

Outra coisa que pode chamar a atenção é a apresentação dos discursos dos personagens. O romance tem ao todo cinco narradores e, não raro, as vozes de um cruzam o discurso do outro. os cinco tem autonomia para se expressar da forma que bem entenderem, o que pode gerar confusão (tanto entre eles quanto em quem está lendo) e fará com que o leitor tenha de optar por confiar em alguns narradores e desconfiar de outros. E então, de que lado você fica? Essa questão talvez nem resposta tenha...

Próximo post dou um panorama do que vem por aí, apresentando os personagens principais da trama.
Abraços!

09/08/2014

Reabrindo as portas - o que vem por aí




Boa tarde, senhoras e senhores. Ainda vem alguém por aqui? 
Pois bem, andei por um bom tempo sumido aqui do blog, mas a vontade de voltar a publicar (e a falta de imaginação) aqui está em alta, ainda mais depois dos últimos acontecimentos de que falo aqui para deixar a par aquele que ainda não sabe.
Sim, o blog andou dormindo, mas eu não. Como resultado, eis que ganhei um prêmio muito bom neste último dia 31, o II Prêmio Pernambuco de Literatura, com o romance Ascensão e queda. O prêmio, que inclui uma boa soma em grana pra tomar uma cerva, também inclui a publicação do romance, com lançamento para logo mais. Sendo assim, creio que o momento é oportuno para revitalizar este humilde blog, uma vez que , devido à premiação, uma ou outra pessoa nova passe por aqui. Convido então a todos para que apareçam de vez em quando, prometo me esforçar para ter  ao menos um post por semana. 
Mas e o que pretendo escrever?
- Ascenção e queda: trarei novidades sobre o romance que vem aí, perfil dos protagonistas, algumas discussões que podem ser encontradas nele, etc;
- contos: vou tentar publicar algum conto novo aqui. Na verdade, o que tem me impedido é a extensão dos últimos contos que escrevi. Sendo eles bem mais longos do que os que já apareceram aqui, não sei se fica legal para o formato do blog;
- Discussões sobre arte: sim, verei se teremos novas séries de postagens aqui, tanto de música, literatura, cinema, etc. Também verei se será legal continuar alguma série deixada para trás durante esse hiato.
Enfim, a quem passar por aqui, pode deixar sugestões de discussão também, vamos movimentar o mundo. 
Abraço e até logo mais!

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