10/05/2013

Dois catarros







Tomara que não ponham a culpa em mim. A culpa sempre sobra pro mais fraco. Nunca que vão dizer que sou inocente. Vai vir um monte de polícia fazer pergunta, que que você fez com o cara? O que aconteceu lá no quarto?  Sabia que você pode ser presa? Sim, eu sabia, e por esse motivo abri logo o bico, disse a mesma coisa que disse pras meninas. Elas tão aí pra não me deixar mentir. 
O bar tava bem cheio. Hoje, além de sábado, é dia cinco. Os homens vêm com tudo gastar o salário com a gente. Cadê? Cadê? Não tem mulher bonita aqui nessa porra, não? As meninas logo se mostram, tá falando com quem? Esfregam logo a cara deles nos peitos, depois que tão todos doidos, eles querem meter a mão em tudo quanto é lugar. Aí só mete se for lá pro quarto, e aí, vamos? Os que não têm muita grana logo se afastam, assim fazemos uma espécie de triagem pra ver quem é quem. Hoje não precisei fazer isso, uma turma de playboys chegou logo esfregando dinheiro na cara das meninas, pedindo o melhor uísque do bar e tudo o que tinham direito. Quero ver quem é a moça que vai rebolar pra mim! Deram uma grana pra Britney pra ela tirar a roupa. Eu tava na minha, tomando uma cerveja. Enquanto rolava o strip, os caras tavam tirando onda com um deles, parecia ser o mais mole, desanimado.
O coitado fumava um cigarro caro que nunca vi na vida; de vez em quando tossia forte, dava pra ouvir o catarro entalando. Dinheiro fácil, meto de qualquer jeito e depois tomo um banho, do jeito que ele tá acho que nem vai me xingar. Pensando assim me aproximei, sentei logo no colo. Oi, gato. Meu nome é Bárbara, mas todo mundo me chama de Babi, e você?
— Augusto. – a resposta veio acompanhada a dois beijinhos de cumprimento.
 Espero que vocês acreditem em mim, o esquisito era ele! Não fiz nada demais.
Me ofereceu uísque, não, obrigada. Cerveja? Cerveja eu aceitei, não bebo (muito) em serviço. Tomei um gole e puxei a mão dele pra minha cintura. Você namora, Augusto? Sou solteiro. Eu ri do tom de piada da resposta, os caras tirando onda, as meninas todas felizes, Britney dançando. Quando ia prosseguir com a conversa ele me fala no ouvido:
— Faz tudo o que eu quiser? Pago bem.
Não esperou nem que eu respondesse, enfiou um nota de cinquenta no meu decote, essa é só pela conversa. Que cara estranho... Dinheiro fácil... Que que você gosta, que que você quer que eu faça? Tudo não, que atrás eu não gosto. Insistiu dizendo que pagava bem, deu outra tossida, tá doente, rapaz? Gripe, nada demais. Acreditei nele e ainda mais quando ele me mostrou muito dinheiro na carteira. Era ser muito burra se eu num metesse com aquele cara.
Mal tranquei o quarto e ele me agarrou por trás, beijando meu pescoço. Calma aí, aqui não é lugar pra romance, a gente tá aqui pra meter! Ele não quis me ouvir, encheu minha boca com um beijo. Nunca que eu beijo cliente, mas abri exceção, dinheiro fácil. Ele me abraçava com força, mal me deixava tirar a roupa, falava umas coisas estranhas. Me beija, minha ninfa! Deixa de bobagem e deita aí, peguei a camisinha e puxei suas calças.
Parei de chupar quando ouvi um trovão. Dou uma de durona, mas morro de medo de trovão. Ele tossindo outra vez, se roçando em mim, me puxou pra cima dele, a tosse forte. Dinheiro não tão fácil, ninguém ainda hoje tinha dado tanto trabalho, mas não podia voltar atrás. Babi, deixa...
Não, nunca que deixei nenhum cliente gozar na boca! Que cara doido, ainda beijando minha nuca, pago bem, você sabe que não estou mentindo. Pior que eu sabia, mas não queria não senhor, dinheiro ingrato! Meu Deus do céu, que companheira inseparável é a ingratidão! Por que ele queria aquilo? Pra se mostrar pros amigos, dizer que era o fodão? Eu não podia fazer aquilo, não queria... Olhava pro olho dele e via ele todo aceso, olhava cada parte do meu corpo, desejava, não é pra me gabar, mas sou uma moça bem cuidada, não tive filho feito algumas das meninas, todas barangas agora. Eu olhava ele, ele respirava forte, dava pra ouvir o catarro correndo na garganta dele, não, não era gripe, nunca que vi gripe desse tipo. Ficou de joelhos na cama, me agarrou pelo cabelo, vem cá, vem!
Por Deus, vocês têm de acreditar que eu não fiz nada demais! Fiz apenas o que ele pediu, depois ele caiu na cama com uma cara feliz da vida, eu ainda entalada. O cara feliz da vida, olhando pro teto, pro céu, sei lá, agradecendo aos deuses, obrigado, minha ninfa, minha hetaíra! Que delícia! Passou um tempo ali, descansando, eu também deitei olhando pro que eu tinha feito, dinheiro maldito! Nunca que tinha feito aquilo! Eu estava feliz na hora, só pensei em chorar um pouco depois, o gosto esquisito na boca, mas chorei mesmo quando ele tossiu. Tossiu uma, duas, dez vezes, não parou de tossir, Augusto, o que você tem, o catarro engasgando ele, ajuda! Alguém ajuda! O homem tá passando mal! Ninguém ouvia por causa do barulho do bar, som alto, homem gritando pra lá e pra cá, mal me enrolei numa toalha, abri a porta e espiei, chamando uma das meninas, elas tão aí pra não me deixar mentir! Babi, mulher, que foi isso!? Eu não sei, eu não sei, a gente tava junto e depois ele passou mal, eu juro! Seu Dionísio, dono do bar, veio e me xingou pra caralho, sua puta! Você quer me ferrar, é? Eu já chorando, os amigos do cara me xingando, carregando o amigo ainda tossindo, passando mal, o catarro travando nos pedidos de socorro dele... Sua puta, o que você fez? Sabia que você pode ser presa? Sabia? Hein? Mas eu não fiz nada! A gente tava só namorando, normal, tudo normal. Sentei numa mesa do bar, ainda de toalha, todo mundo olhando, a música parou. Eu lembrando da cama, do Augusto, pago bem, o choro, o gosto ruim na minha boca, a garganta travando, entalada,  tomara que não ponham a culpa em mim, tomara.
  


Conto adaptado do poema "Depois da orgia", de Augusto dos Anjos, publicado no Jornal Contraponto (PB), em série comemorativa do centenário de Eu, do autor já referido. 

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