01/12/2011

Entrevistando André Ricardo Aguiar



Olá, amigos do Blog do Shirukaya! Como venho mostrando nos últimos tempos, a temporada de novas entrevistas está aberta. Depois da fofíssima Amanda Reznor e do escritor de nome não-suave Betomenezes, chegou a vez de conferirmos o que tem a dizer o grande (sim, grande mesmo, tem mais de 1,80m) escritor paraibano André Ricardo Aguiar. Assunto? Literatura, políticas públicas, música, poesia...



Wander Shirukaya – Fale um pouco sobre você.

André Ricardo Aguiar - Todo dia aprendo uma nova maneira de falar de mim através do que leio. É um pouco como fuga, reconheço, porque não tem nada mais fugidio do que essa coisa do biográfico abstrato, onde não consigo delimitar fatos, ocorridos, coisa que seja digna de nota. Sei que minha vivência sempre foi norteada por leituras. E ter nascido numa cidade do interior me trouxe uma carga de memória afetiva. Digo, uma paisagem humana como cédula de identidade: o rio, o mato, os caminhos de terra, pasto, boi, etc. Mas foi na cidade maior que me criei e, se posso falar em urbano, que fique valendo. Me criei com bibliotecas mais do que com contato familiar. A família grande também vira abstração. O círculo restrito é que conta: pai, mãe, irmãos pequenos. Este os seres do meu afeto e dou crédito ao meu pai pelo gosto literário. Divergimos muito depois. Me eduquei com Zé Lins, frequentei Dostoievski e Kafka, Borges, Cortázar. Tenho esta coisa da mistura de leituras. Meu enquadramento é por escotilha: vejo o que tenho a frente, incorporo, sigo um rumo, abandono ou me perco – e depois dou a volta e recomeço. Uma curiosidade cética pela vida, um composto de crença e provocação. Só me sinto bem quando estou criando – e isso porque considero o ato de leitor como participação, como cozimento de futuras colheitas. No mais, sou um cara normal – conceito falho, vá lá, mas é por onde me sustento. Sou comunicativo a pouca distância. De longe, pareço sisudo, mas é uma timidez de escudo. Puxar uma prosa comigo é o movimento mais bem-vindo do mundo.


Wander – Você trabalha com literatura não somente como escritor, mas também com projetos culturais através da Funjope. Como você lida com essa situação? É difícil conciliar ambas as atividades? Que semelhanças e diferenças elas tem entre si?

André - Lido como qualquer atividade humana. A questão é que trabalhar com literatura na esfera pública é bem diferente de trabalhar na esfera privada. Mas de certa forma, ambas são complementares. Se tudo na vida fosse apenas lidar sem experiência humana, cairíamos num fosso nada prático. Gosto mesmo da possibilidade de estar com meus pares, ou criando modos de disseminar práticas culturais. Isto proporciona, entre outras coisas, intercâmbios importantes, como a experiência de outras feiras literárias e com a observação de modelos estruturais para garantir o sucesso de eventos deste porte. Por outro lado, tudo é tempo. Precisamos abrir sempre espaços só nossos para garantir que a balança fique equilibrada. Eu tenho fases e nem sempre tenho tempo para me dedicar como quero à literatura. No entanto, vejo com bons olhos a falta de tempo. Alguma coisa trabalha na surdina. Sempre haverá o momento de colocar tudo no papel ou na tela. As semelhanças ou diferenças se misturam. O trabalho com literatura só ganha quando as fronteiras se encontram.


Wander – Os últimos tempos em nosso país mostram que a relação que temos com questões éticas dentro da literatura. Tendo você também se voltado ao público infanto-juvenil, como você tem percebido o uso de questões polêmicas, a violência, o sexo, por exemplo, neste tipo de literatura?

André - Não acredito em censura prévia em literatura. Acredito em controle e em discriminação. Para o público infanto-juvenil, a própria literatura ao longo da vida de um leitor deve indicar esclarecimento para escolher o que é passível de ser absorvido de forma consciente. Não sei se percebo bem, não consigo ler de tudo – e por extensão, saber o que andam fazendo por aí. Sei que bons autores sabem lidar com temas polêmicos sem perder a mão.
 

Wander – A que projetos você tem se dedicado ultimamente? Que podemos esperar do autor para os próximos meses?

André - Literatura infantil e poesia. Mas o engraçado é que são trabalhos já feitos há algum tempo e que senti necessidade de dar um ponto final. Fechamento de etapas, por assim dizer. Dois livros infantis estão prontos para serem editados por uma boa editora. Ao mesmo tempo, penso e publicar meus poemas de alguns anos pra cá. O livro A idade das chuvas já é um trabalho de resgate de uma década de poesia. Ainda não tenho uma linha a seguir, vou apenas vivendo e o ato da escrita vai junto, no compasso meio improvisado. Agora, na hora de colocar no papel, organizo, sopeso, estabeleço um plano. Sou meio cismado com a coisa solta. Estou como o Fernando Pessoa: O que em mim sente, está pensando. Tenho meus contos – e a frequência no Clube do Conto serve como termômetro para o que eu experimento, embora nem isso eu tenha mais tempo, experimentar. Quem sabe daqui a um tempo eu veja isto mais claramente?


Wander – O que te agrada na música? Quais os seus artistas preferidos? Eles te influenciam na literatura de alguma forma?

André - O que me agrada na música é exatamente a noção feliz de que não dá para viver sem ela. A coisa sensorial é muito forte. Que arte pode ser mais completa que esta? Um dia destes alguém falou – ou li no facebook – que os músicos só podem ser felizes. Eles criam em estado permanente. Porque tudo é som. Não teorizo, claro, sobre a música. Sei que um tipo de música me atrai pela construção, como o jazz. Outras, quero apenas ir cantando junto. Como no chuveiro, lugar ideal (risos).
Artistas preferidos são muitos. Não me prendo a poucos. A música eu vou descobrindo e adicionando à minha vida. Gosto deste caráter de descoberta. Aí paro e fico umas fases em um artista, em outro. Mas gosto sempre dos que me dizem por mais tempo, até uma vida inteira. Como não ser assim com os compositores clássicos? Beethoven, Mozart, Bach, Vivaldi. Beatles, blues, rock, Chico... são muitos e eu não vou dizer mais, ou a lista não termina. Não vejo uma relação clara da influência da música na minha literatura. Mas um estado de espírito propenso a gostar de música, tem elementos que vão ajudar na hora da escrita. Assim penso.


Wander – Você está de blog novo (http://quaseincendios.blogspot.com/), mas vez ou outra firma ter problemas em manter páginas de internet. Há alguma razão em especial? Qual sua relação com a internet?
André - Uso a internet para quase tudo. Tenho uma relação quase tripla: criação – divulgação – intercâmbio. Já fui beneficiado por ter acesso a editoras. Por criar livros nascidos de blogs. Para dar visibilidade ao meu trabalho. Enfim, a razão por não manter blogs é que vejo uma tendência a descontinuidade ainda. Não sou disciplinado em alimentar regularmente um blog de forma indefinida. Invejo quem o faça. Talvez com um projeto em equipe eu consiga. Mas o blog individual não me estimula ainda.
Wander – O que tem lido ultimamente? Algo que nos recomendaria em especial?
André - Tenho lido muita coisa. Aliás, sou leitor voraz, daquele que corre o risco de perder o controle. Leio de tudo e todo dia sinto vontade de ler mais. O problema é o tempo. Mas eu tenho uma mochila-biblioteca que não sai de perto de mim. Posso ler em ocasiões rápidas e tediosas como fila de banco ou no ônibus. Por isso curto tanto a narrativa breve, os diários, etc. Li recentemente (e recomendo) os poemas da Wislawa Szymborska, editado pela Companhia das Letras. É o que mais estou recomendando por aí. Também o Diário Selvagem do José Carlos Oliveira, indicação que o escritor Miguel Sanches me passou. Recomendo o novo livro do Ricardo Piglia, um ficcionista que namora o gênero policial de uma maneira inovadora. Chama-se Alvo Noturno. Gosto muito desses aspectos lúdicos da literatura, dessa transfiguração de universos, mas também bebo dos temas clássicos. Tanto que estou relendo Dom Quixote, pela Editora 34.

Wander – Discorra um pouco sobre a literatura paraibana contemporânea, de que você faz parte. Tem gostado do que vê? O que há de bom acontecendo?
André - A nova literatura paraibana ainda está um corpo em movimento, e o estar inserido nela não me torna um observador confiável. Vejo o que me cai às mãos, acompanho os novos grupos, vejo aqui e ali talentos que vão se consolidar daqui a anos. Tenho gostado em parte. Como sabemos, ainda é cedo, há esse fenômeno dos talentos ainda em busca de um foco – e é por isso que é tão saudável a formação de grupos. Não que acredite na descoberta do ovo em pé. Mas a meu ver, temos tanta sede de novidades que meio que nos viramos nas condições mais precárias – embora, internet, o lance midiático, e tanta coisa aí dando sopa está criando uma geração literária mais aparelhada. Até em termo de brigas, há muito o que discutir. Melhor assim do que a modorra e o autoconfinamento. Acho que muita coisa boa está acontecendo. Eventos, lançamentos, troca de experiências. Faço parte do Clube do Conto, que é uma linha, sou amigo do pessoal do Caixa Baixa e da Revista Blecaute, que é outra linha, e na qualidade de gestor de uma divisão de literatura, tanto olho como crítico quanto simpatizante. E claro, também, um olhar para os equívocos também.

Wander – Deixe uma mensagem aos leitores deste blog.

André - A mensagem que eu deixo é que, a exemplo do gosto que tive em responder às perguntas, sempre terei uma postura de curioso. O importante é essa vontade de ler o mundo, mas de uma forma viva, participante. Acho que qualquer manifestação é válida. Fico então feliz por participar de uma forma ou de outra para algo nosso, e nem por isso menos universal.

Wander - Obrigado.

Fotos cedidas pelo entrevistado. 

2 pitacos:

André é a prova viva de que, para ser um bom escritor, não precisa ser bonito!

Wander Shirukaya revelando estrelas do meio literário! =D

Legal te conhecer, André!

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