Não
queria lhe observar os dentes, mas era inevitável. Sentia o ranger da força em
rasgar uma maçã. Pouco se movia. Dava pra ver cada músculo em ação, a jugular,
os lábios úmidos. Nem o corpo esguio e pouco corado, pernas delicadas, um rosto
mais moreno, cabelos atrapalhando o ato, iam junto à maçã e lhe cobriam as
maçãs.
Por que não queria ver os tornozelos
lisos? As unhas polidas, reluzindo um leve sol da manhã. Engoliu o primeiro
pedaço. Anjo. Anjos não morrem, ficam para sempre por onde passam. Um verde
morto, um mar revolto, dois olhos, eu vejo. Nunca quis a vista daqueles cílios
leves, lépidos. Esfregam-se tranqüilos para lhe aquecer as linhas, desenhar as
pontas de prazer da ação. Pois que olhos queriam algo assim: coberto de
simplicidade, mas repleto de amarras aos arredores? A ponta do nariz... Meio
avermelhada. Gripe, talvez. Não parece se importar. Deglutir sua maçã é melhor.
Inspira quase suspirando, puxa o cabelo atrapalhando, passa a língua
displicente pelos lábios. Eu via...
Bem de perto.
- Fim da sessão, meu grande colega.
- Doutor!
- O que houve?
- Essa garota. Essa garota, tão
novinha, talvez possa ter sido eu?
- Vamos descobrir ao longo dos
encontros, não se preocupe, relaxe.
- Está bem, muito obrigado.
No que saio da sala entra a menina.
Oi, pai! Bom dia! Passa voraz por mim, acaba batendo. Cai da mão a sua maçã.
Desculpa! Não, não tem problema. Ela correu para o pai. Nem quis olhar. Minha
barriga roncou, quase meio-dia. Corri para casa para almoçar.
[Wander Shirukaya]